15.2.10

O belo e o sublime: benditos sejam!

Sol. Manhã. Dia. Tudo o que vejo não vejo por completo. Se considero minha visão bela, limito aquilo que se apresenta ilimitado, por ser sublime. Tal instinto de limitação, todavia, faz parte de minha própria condição humana. Afinal, tudo o que tenho é a razão, sendo que por ela, tudo o que posso fazer é limitar.

E limito quando busco equilíbrio, harmonia e simetria, embelezando fragmentos. O sublime só posso ver com olhos humanos, demasiadamente humanos, tornando-o belo. Ah! Como queria ter visto a aurora com os olhos de aurora, no lugar destes meus parcos olhos! Mas a mim não está permitido o acesso ao sublime. Isto porque sou carne e osso. Imanente, não faço parte de seu reino transcendente.

Pobre e pequeno mundo humano. Ainda bem que somos salvos pela qualidade da beleza. Só mesmo o artifício para nos fazer sentir o gostinho da grandeza de tal sublimidade. Por meio da arte, encontramos unidade para um mundo fragmentado.

Com isso, resta-me entregar, desinteressadamente, àquilo que apela para o campo do suprasensível, onde basta a mais simples de todas as coisas para me mostrar o quão imensurável é tudo o que e para além do que podemos ver e ouvir. Sinto-me assim um aprendiz da arte, por meio da qual meus olhos veem e meus ouvidos ouvem o que, de outra forma, não veriam ou ouviriam. Bendito seja o belo! Bendito seja o sublime!


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21.1.10

Tem algo podre no estado do Brasil

Não! Esta não é uma comparação entre o nosso país e a Dinamarca, o país usado por William Shakespeare como cenário de sua mais famosa peça A Tragédia de Hamlet. Mas estas são algumas impressões pessoais sobre a atual cena política brasileira.

Não falo de partidos, mas da mídia. Aliás, não é novidade para ninguém que a televisão e os jornais desempenham um papel de protagonista na trama eleitoral do país. E o fazem com a “fantasia” da neutralidade, apodrecendo nossa democracia com a tirania da “opinião pública”.

Só que não há neutralidade em tal processo de comunicar notícias sobre política. Se um jornalista mencionar um prefeito, um governador ou um presidente em sua matéria, ele usará diferentes tipos de verbos que revelam seu nível de controle da informação.

Por exemplo, verbos como “exclamar”, “responder” e “solicitar” marcam um discurso direto, o que, em um primeiro momento, significa que o texto está mais próximo do original. No entanto, outros tipos de verbo como “descrever”, “discutir” e “falar” já carregam uma distância em relação àquilo que se disse. Sem mencionar uma série de verbos como “reinvindicar”, “negar”, “insinuar”, “propor” e “manter”, através dos quais se expressa um discurso indireto, com o controle de parte da notícia sobre um fato.

Em ano eleitoral, minha pergunta é: sou capaz de ser autônomo em minhas escolhas? Ou sou apenas manipulado pelo humor da mídia? Será que tem alguém brincando com minha opinião?

Não podemos esquecer que, em última instância, somos livres para decidir sobre o que queremos em uma sociedade democrática. Apesar de serem bons recursos para nos ajudar nessa tarefa, os meios de comunicação não podem ser vistos como neutros. Se eles também são livres para comunicar um fato (daí a chamada “liberdade de imprensa”), tal neutralidade só pode ser vista como um mito.

Voltando a Hamlet, podemos lembrar de Polonius, o mui político personagem drama. Ele fica desconcertado com a resposta de Hamlet à sua pergunta “O que você lê?”. Como se sabe, a razão para tal pergunta é a suposta loucura de Hamlet. Diferentemente de suas expectativas, o príncipe da Dinamarca não estava louco. Pelo contrário, pelo menos na política, ele se mostra até mais atento do que nós. Afinal, sua resposta à pergunta de Polonius é simplesmente: “Palavras, palavras, palavras”.


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16.1.10

A escola e seus muros

A escola como ela é. Talvez esta seja a melhor maneira de descrever o filme “Entre os Muros da Escola” (“Entre les Murs”, França, 2008), dirigido por Laurent Cantet. Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2008, a produção se destaca por levar a sala de aula para as telas do cinema. Tal gesto revela o quanto o cotidiano escolar é marcado por conflitos limitados por muitas fronteiras, ou melhor, muros, entre alunos de comportamento difícil, e professores bem intencionados e dispostos a trabalhar em uma escola localizada em um bairro perigoso.

François Marin (François Bégaudeau) protagoniza a figura do professor de francês que tenta, sem sucesso, se aproximar dos seus alunos, muitos dos quais de origem não-francesa. Na condição de docente, ele ocupa uma posição de autoridade que não dá margem para ir além dos limites da velha relação de poder entre dominador (professor) e dominados (alunos). De modo que é inevitável assistir ao filme com uma leve sensação de que as coisas são assim mesmo e de que nada vai mudar. Aliás, não é novidade para ninguém que o sistema educacional é uma máquina pesada que faz as suas vítimas, e que os professores são aqueles que fazem as coisas acontecerem exatamente do jeito que elas devem ser, usando para isso os mecanismos de poder que tem às mãos. Em outras palavras, o muro que separa educadores de educandos parece cada vez mais intransponível.

Levando para a escola toda a sua bagagem de vida, os estudantes são retratados no filme como personagens de uma vida dura demais para se dar ao luxo de pensar em agir de maneira “educada” na escola. Filhos de imigrantes sofrem com os mais variados problemas, entre os quais está o fator ilegalidade. A falta de documentação de alguém da família agrava a constante ameaça de retorno ao país de origem. O muro entre a velha e a nova pátria insiste em ser respeitado. Basta observar uma discussão sobre futebol entre os alunos. Torcer para a França está fora de cogitação para a maioria deles, já que preferem a identificação com uma seleção africana.

Vale lembrar que todo esse tom realista do filme é fruto da própria experiência de François Bégaudeau, quem escreveu um livro sobre seu trabalho como professor numa escola. A obra cinematográfica cumpre assim o papel de documentário, sem deixar de dramatizar pequenas histórias do cotidiano escolar, em torno do qual há pessoas que têm muito pouco em comum além de muros.


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4.1.10

Não dá para separar

Não dá para separar Deus da humanidade ou a humanidade de Deus. Jesus destruiu este abismo entre nós e Deus. A sua vida é uma expressão genuína do que é viver diante de Deus e das pessoas.

É de lamentar que as igrejas evangélicas hoje estejam pregando muito sobre alcançar graça de Deus, mas pouco sobre alcançar graça das pessoas. Isso faz com que queiramos converter pessoas para dentro de uma religião organizada, em nome de Jesus, mas nunca aprendamos a viver a vida que Jesus viveu, que não separa Deus das pessoas.


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21.12.09

Na semana do Natal

Na semana do Natal, quero pedir que aqueles que erguem o fuzil atirem balas de esperança, para que elas deixem de ser perdidas e achem algum transeunte desiludido com a vida. Aproveito também para pedir que alguém faça o favor de contribuir para deflagrar a guerra do tráfico de paz. É simples. Basta dizer “sim” a qualquer ato de corrupção do ódio.

A propósito, ontem cantei na Igreja que “Deus está conosco”. Se assim é, então, estamos convidados a quebrar o lugar comum do mal no nosso cotidiano. Como bem fazem os seguintes versos de Bertolt Brecht:

Marchar com tanques e canhões,
lançar aviões ao céu
e cruzadores ao mar
para conquistar um prato de sopa.
Não esperem pelo amanhã
Que em todo o mundo os semelhantes se ajudem hoje
[mesmo,
pois os homens bons
não formam ainda um exército numeroso.
Avante no ataque.
Empunhem suas armas.
Homens se afogam em torno de nós
e ninguém olha para eles!


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18.11.09

O que é religião?

Definir é estabelecer limites, de-limitar. É por isso que não pode ser tomada como definitiva nenhuma tentativa de resposta à pergunta “O que é religião?”. O máximo que podemos fazer é apresentar discussões em torno desta pergunta.

Falar de religião é refletir sobre aquilo que faz sentido para a vida das pessoas. Sentido esse que está para além da nossa própria condição de gente, porque é um sentido último. Por ser último, este sentido diz respeito a algo que é supremo, que ocupa um lugar especial em nossas vidas. É exatamente neste lugar especial, neste lugar supremo, neste lugar último, que está a religião. A religião é uma “preocupação última”, já dizia Paul Tillich.

Sendo assim, a religião não deve ser vista como uma função especial da vida espiritual do ser humano, mas como uma dimensão da profundidade em todas as suas funções. Não deve ser vista como moralidade, conhecimento puro, estética ou arte, muito menos como mero sentimento subjetivo. A religião está na profundidade de todas as funções e na totalidade da vida espiritual do ser humano, naquilo que é último, infinito, incondicional de nossas preocupações.

Não se pode rejeitar a religião, já que só poderíamos fazê-lo em nome dela mesma, em nome de algo que nos toca incondicionalmente. Afinal, antes de tudo, nós somos tocados até as profundezas por algo que não somos capazes de descrever completamente em palavras. Trata-se de algo último, algo infinito, algo incondicional. Algo de que não podemos fugir.

Esta é a essência da religião. Ela está presente em todas as pessoas. Ela faz parte da nossa vida. Ela é tudo aquilo que transcende nossas preocupações temporárias e provisórias. Ela é tudo aquilo que nos toca incondicionalmente, para além da nossa própria condição humana. Tem a ver com aquilo que faz sentido para as nossas vidas.


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27.10.09

Mãos divinas

Será que temos todo esse poder de escolher o lugar onde estamos? Eu não sei. Só posso dizer que, no momento, sinto que estou no melhor e mais difícil lugar do mundo: as mãos divinas. Ali minhas certezas se diluem diante do futuro que só a elas pertence. Ali sou cada vez mais fraco, porque nelas estou impossibilitado de dominar e de “fazer acontecer” qualquer coisa. Ali não sei para onde vou, mas posso perguntar: Quem sabe elas, as mãos, não sabem? Vivo assim na fronteira da esperança, esperando algo que não posso ver. E haja o que houver, sigo e seguirei uma jornada sem volta, cujos destinos, no entanto, não cabe a mim saber.


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